O que é prevaricação? Entenda o crime que a cúpula da CPI acredita que Bolsonaro cometeu

Os irmãos Luís Miranda, deputado federal pelo DEM, e Luís Ricardo Miranda, servidor público do Ministério da Saúde (MS), depuseram na última sexta-feira (25) durante a CPI da Covid-19 e abriram espaço para nova polêmica no Governo Federal, acerca da compra da vacina indiana Covaxin. O relato levou os senadores a falarem sobre crime de prevaricação.

Isso porque os irmãos afirmaram ter levado ao conhecimento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) irregularidades na compra do imunizante, e o chefe do Executivo teria dito que acionaria a Polícia Federal (PF) acerca do caso. No entanto, até a quinta-feira (24), a PF não encontrou registro de inquérito aberto sobre a compra da vacina.

Para a cúpula da CPI, houve indícios de que o presidente cometeu crime de prevaricação, os quais foram enviados em notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal (STF) nessa segunda-feira (28). A ministra Rosa Weber foi escolhida como relatora do processo na Corte após sorteio.

O QUE É PREVARICAÇÃO?

Conforme o Código Penal brasileiro, a prevaricação se dá quando um funcionário público “retarda ou deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.

Assim, haveria uma suposta falta de comunicação sobre uma irregularidade para que outras autoridades pudessem investigá-la. Ainda segundo o Código Penal, a pena prevista é de três meses a um ano de prisão e multa.

Para entender mais detalhes, o Diário do Nordeste conversou com Luciano Dantas, membro da Comissão de Estudos em Direito Penal da Ordem dos Advogados do Brasil — Secção Ceará (OAB-CE) acerca do assunto.

Conforme o advogado, no caso de prevaricação, o elemento doloso do crime deve ser provado, bem como se a pessoa responsável deixou de agir em termos de interesse do sentimento pessoal. O advogado ressalta que a pena prevista em lei é “pequena”, pois o crime é considerado de “menor potencial ofensivo”.

No entanto, segundo Luciano Dantas, a lei federal tem disposições que atribuem ao presidente da República crimes de responsabilidade. São consideradas dessa forma as ocorrências de natureza política em que são possíveis, por parte do Congresso Nacional, exames de impeachment do presidente.

PROCEDIMENTO EM CASO DE CRIME DE RESPONSABILIDADE

O procedimento, num eventual caso de prevaricação por crime político, começaria na Câmara dos Deputados. Seria criada uma Comissão Especial para analisar se a denúncia deve ser votada pelos deputados. Caso dois terços deles — 342 representantes — recebam a denúncia, o processo segue para o Senado, que deve confirmar ou não o que a Câmara decidiu. 

Caso confirme, uma Comissão Especial é instalada no Senado para avaliar o seguimento do processo — se este for mantido por maioria simples após votação, o presidente é afastado por 180 dias. No fim, quando houver a instrução da defesa, é realizado um julgamento com o presidente do STF. A condenação definitiva deve contar com dois terços dos votos dos senadores, o que soma 54 parlamentares.

Luciano Dantas reforça que a denúncia, nesse caso, deve ser ofertada pelo Procurador-Geral da República.

PROCEDIMENTO EM CASO DE PREVARICAÇÃO

Caso o eventual crime não tenha motivação política, mas, sim, a prática de crime comum, o processo também começa na Câmara dos Deputados em razão da prerrogativa de foro do presidente. Contudo, caso a denúncia seja recebida por dois terços dos parlamentares, o processo correrá no STF como crime comum. Se o STF receber a denúncia, o presidente é suspenso das suas funções por 180 dias, tempo para que o processo possa correr.

Se o julgamento não for concluído nesse prazo, o presidente volta à função enquanto o processo segue em curso. O presidente não fica sujeito a prisão até que haja uma sentença que indique o cometimento de crime.

Quaisquer que sejam as motivações são examinados os indícios para comprovação ou não do crime. Ainda conforme o advogado membro da OAB-CE, os depoimentos servem como indícios, dado que a CPI da Covid-19 funciona como uma espécie de inquérito. Ao fim da investigação, é gerado um relatório, o qual deve ser encaminhado ao MPF.

COMPRA IRREGULAR DA VACINA

O Ministério Público Federal (MPF) identificou indícios de irregularidades na compra de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin feita pelo MS. Em relação à investigação, o jornal Folha de S. Paulo teve acesso a um depoimento de Luís Ricardo Miranda mantido em sigilo pelo MPF. Nele, o servidor público afirmou ter sido pressionado de forma atípica para garantir a compra do imunizante.

O deputado Luís Miranda afirmou, no dia 22, que o caso era “bem mais grave” do que a pressão, acrescentando, no dia seguinte, que alertara o presidente acerca das irregularidades na importação das doses.

Durante o depoimento, o parlamentar revelou que o líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (Progressistas), foi citado por Bolsonaro em relação à compra da Covaxin. Ricardo Barros, inclusive, apresentou emenda a uma Medida Provisória (MP) que facilitava a aprovação do imunizante pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Ainda no dia 23 o presidente mandou a PF investigar o deputado federal e o servidor público, que já haviam predisposto o assunto antes de serem convidados à CPI. O depoimento dos irmãos foi aprovado no mesmo dia.

Após o depoimento, ainda na sexta-feira, Bolsonaro afirmou que a Polícia Federal abriria inquérito para investigar a compra da Covaxin.