Polícia identifica evangélico que gritou palavras ofensivas contra integrantes de terreiro de matriz africana em São Luís

A Polícia Civil do Maranhão já identificou o membro de uma igreja evangélica, que usou um microfone para gritar palavras ofensivas contra integrantes do Terreiro de Mina do pai de santo Nery da Oxum, casa de matriz africana em São Luís.

O caso aconteceu na manhã de domingo (10), no bairro Itapera de Maracanã, na zona rural da capital maranhense (veja, no vídeo acima, o homem gritando em frente ao terreiro)”.

Segundo a polícia, o evangélico que aparece no vídeo deve ser ouvido nos próximos dias, como parte das investigações do suposto caso de racismo religioso.

“O que nós temos registrado aqui é que um determinado homem, que estava de chapéu, teria utilizado expressões como ‘cachaceiro’, que seria uma injúria comum. ‘Maconheiro’, que também em tese é injúria comum. ‘Macumbeiro’, que aí a gente já vai para o aspecto religioso e ‘filho de satanás’, que também vai para o aspecto religioso, de crime de ódio. Além disso uma senhora teria dito ao pai de santo para que ele ‘se libertasse desse satanismo’, isso também vai para o crime de racismo religioso, uma vez que fique tudo confirmado pela investigação”, explicou o delegado Agnaldo Timóteo, que é responsável pela investigação.

Em entrevista à TV Mirante, o pastor Osiel Gomes, que lidera a Assembleia de Deus Missões, campo Tirirical, a qual pertence a igreja que fez a passeata em frente ao terreiro, afirmou que o caso não se trata de um ataque às crenças de origens africanas, mas declarou que há práticas ocultistas, que lançam maldições contra as pessoas.

“Nós não estamos atacando as crenças afros, porque é de direito. Mas nós também não podemos negar que, dentro do exercício de algumas práticas religiosas, existe a prática ocultista, aquelas que lançam feitiços contra as pessoas, maldições. Então, quando um crente vai para a rua, ele não vai para atacar o Candomblé, ele não vai para atacar aquela prática de crença, ele vai simplesmente falar do poder de Jesus, que liberta as pessoas”, afirmou o pastor.

Além das palavras ofensivas proferidas pelo evangélico, a polícia também vai investigar mensagens ofensivas divulgadas em redes sociais contra o Terreiro de Mina do pai de santo Nery da Oxum.

“Essa comissão que se apresentou aqui ontem (dia 11 de setembro), notadamente a vítima também, nos apresentou prints de Instagram, em que pessoas fizeram discurso de ódio, discurso de intolerância religiosa. Eles também serão investigadas no inquérito”, destacou o delegado Agnaldo Timóteo.

Entenda o caso

Integrantes do Terreiro de Mina do pai de santo, Nery da Oxum, casa de matriz africana, registraram na segunda-feira (11), um boletim de ocorrência contra um grupo de evangélicos suspeitos de praticar intolerância religiosa. O caso aconteceu na manhã de domingo (10), no bairro Itapera de Maracanã, na zona rural de São Luís.

Denúncia foi feita por membros da casa de matriz africana — Foto: Reprodução/TV Mirante

Denúncia foi feita por membros da casa de matriz africana — Foto: Reprodução/TV Mirante

De acordo com as primeiras investigações, um grupo de religiosos, liderado por um pastor da Assembleia de Deus Missões campo Tirirical, se posicionou em frente ao terreiro de mina Nery da Oxum, com um carro de som proferindo palavras ofensivas contra os integrantes da casa.

Durante a oração, eles falaram palavras ofensivas contra o terreiro. As imagens que registraram a agressão, foram registradas por celular. No vídeo, os integrantes da igreja evangélica dizem “Vai, entrando, eu te peço, liberta Senhor, cachaceiro, maconheiro, macumbeiro, Senhor“.

A denúncia foi registrada pelo pai de santo, Nery da Oxum, na Delegacia de Combate a Crimes Raciais e Delitos de Intolerância e Conflitos Agrários. Por lei, é considerado crime a prática de intolerância religiosa.

“A gente veio registrar [o boletim de ocorrência] e a gente quer resposta. A gente quer reposta porque não isso pode. A gente não sai da nossa casa para ir para porta de qualquer que seja um culto, igrejas, a gente tem nossas religiões em casa e não precisamos fazer isso o que eles estão fazendo”, disse o pai de santo.

Revoltados e indignados com a situação, demais membros da casa de matriz africana também estiveram na delegacia prestando apoio e reforçando a denúncia sobre o caso.

“Nós queremos respeito pela nossa religião. E nós não vamos parar enquanto não houver uma resposta certa, dos órgãos certos, para poder nos proteger e nos defender dessas pessoas que não são líderes religiosos, mas são pessoas que estão ali para proclamar o racismo, a intolerância religiosa e tudo aquilo que nós não concordamos de forma alguma”, disse Mateus Iansã, filho de santo do Terreiro de Pai Nery da Oxum.

Após a repercussão do caso, a Comissão de Liberdade Religiosa da OAB do Maranhão, disse em entrevista ao JM1 que está acompanhando o caso.

“Nós tivemos ali atos visíveis de intolerância religiosa. É o reflexo de uma intolerância que é fruto de um racismo que está atrelado ali. As religiões de matriz africana são os que mais sofrem com isso. Neste caso, está tipificado o crime de racismo, mas é claro que a autoridade policial vai analisar as provas para que elas possam ser enviadas para o Ministério Público”, explicou Alda Fernanda Bayma, presidente da Comissão de Liberdade Religiosa da OAB do Maranhão.

Atualmente, em São Luís, há oito casos de intolerância religiosa sendo investigados. E a previsão é que o inquérito deste último caso seja finalizado em 30 dias, para saber se houve ou não crime.

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No Brasil, a Constituição Federal assegura a liberdade e a diversidade religiosa como direitos fundamentais. Além disso, a intolerância é considerada crime e está sujeita a penalidades que variam de 2 a 5 anos de prisão.