Caso Marielle: O caminho para rediscutir a federalização proposto por Dino

A declaração do ministro da Justiça, Flávio Dino, de que é uma “questão de honra” desvendar a morte de Marielle Franco reacendeu o debate sobre a federalização das investigações do assassinato da vereadora e do motorista Anderson Gomes, que até hoje aguarda um desfecho.

A própria família de Marielle pretende discutir o assunto em reunião neste fim de semana, no Rio de Janeiro. “Já se passou quase meia década e até hoje não sabemos quem mandou matar Marielle. Este é um passo importante para se dar agora”, disse à equipe da coluna a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, irmã da vereadora assassinada.

O ressurgimento da hipótese de federalização do caso, no entanto, enfrenta forte resistência, tanto dentro da Procuradoria-Geral da República (PGR), a quem cabe pedir isso, quanto no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que decidiu manter a apuração com as autoridades do Rio de Janeiro em 2020.

À equipe da coluna, Dino esclareceu que há outro caminho possível para resolver a questão.

Além da federalização via STJ, uma lei de 2002 prevê que a Polícia Federal poderá investigar violação a direitos humanos, quando se trata de casos em que o Brasil “se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte”.
O assassinato de Marielle, um crime político de repercussão global, poderia ser enquadrado aí, segundo fontes ouvidas pela reportagem.

“Vamos primeiro tentar o caminho da cooperação com o governo do Rio”, afirmou o ministro, que pretende se reunir com o governador Cláudio Castro (PL) na semana que vem para tratar do assunto.

Em maio de 2020, a Terceira Seção do STJ enfrentou o espinhoso tema da federalização do caso Marielle, quando negou por unanimidade um pedido da então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, de tirar a apuração da esfera estadual (na época, sob a gestão Wilson Witzel) e levá-la para a federal.

“A matéria já foi apreciada. Vão ter que apresentar novos e consistentes fundamentos (para pedir a federalização novamente)”, disse à equipe da coluna um dos ministros que participou daquele julgamento. Outro magistrado concorda: “Muito difícil.”

Na época, a relatora do processo, Laurita Vaz, disse que não constatou “inércia, tampouco desinteresse da Polícia Civil e do Ministério Público do estado”. “O que transparece é justamente o contrário. Há um evidente empenho dessas autoridades em solucionar os crimes, cujos executores, inclusive, já foram identificados”, disse a ministra na ocasião.

A família de Marielle se posicionou contra a federalização em 2020, por não querer que a PF – em plena gestão Jair Bolsonaro – assumisse o controle das investigações. Agora, com a troca de governo federal, e o retorno de Lula ao Palácio do Planalto, o cenário mudou radicalmente.

Na prática, a federalização significa atestar que as autoridades do Rio de Janeiro são incompetentes para cuidar do caso, que seria transferido da Polícia Civil do Rio, sob a supervisão do Ministério Público fluminense, para a Polícia Federal e o MP federal.

Mas uma reviravolta na questão seria não apenas um movimento inédito como algo pouco provável, de acordo com procuradores, subprocuradores e ministros do STJ ouvidos reservadamente pela equipe da coluna.

“Há uma mudança de governo e essa questão tem uma conotação política também. Há espaço para o debate, mas seguindo as linhas estritamente técnicas, que nem sempre são seguidas pelo contexto político da situação pela grande repercussão tanto no Brasil como no cenário internacional, acho que é pouco provável”, disse à coluna um ex-auxiliar de Raquel Dodge.

Um aliado do atual procurador-geral da República, Augusto Aras, concorda – o julgamento no STJ já foi feito durante a gestão Aras, que endossou a posição de Raquel a favor da federalização.

“Não há um fato novo sobre isso. Você não pode ficar eternamente na dúvida sobre qual é o juiz competente. Decidiu, tá decidido”, concordou um subprocurador próximo de Aras.

O pedido de Raquel Dodge para federalizar a apuração não apenas foi negado pelo STJ, como o próprio tribunal já decidiu arquivá-lo definitivamente, o que impediria a reabertura desse processo. Ou seja, seria necessário entrar com uma nova ação nesse sentido.

— Eu digo à ministra Anielle e a sua mãe que vou empreender todos os esforços cabíveis. E a Polícia Federal assim atuará para que esse crime seja desvendado: quem matou Marielle e quem mandou matar Marielle — disse Dino na última segunda-feira (2). (O Globo)